Por que nos escolher?
A culpa é um sentimento constante na relação pais e filhos?
Porque a minha impressão é que eu não posso ser e ter até que minha mãe seja e tenha o que quer.
Essa foi a pergunta da “Mariazinha” quando entrou hoje no consultório. Foi um dia bem típico, o primeiro cliente ligou para secretária, com voz de quem acaba de acordar às 09:20 e cancelou a sessão de 09:30. Nem me lembro de qual foi a desculpa utilizada, mas isso me faz pensar sobre auto responsabilidade e respeito, quem me conhece sabe que sou britanicamente pontual, tenho esse carinho e respeito com quem atendo.
Mas este não é o enfoque hoje, o que me chamou atenção foi a segunda cliente, “Mariazinha”, que veio para sua primeira sessão e me perguntou porque sua mãe a odiava, que ela nunca a vê em suas reais necessidades e que precisava entender o que ela tinha feito de errado já que seu irmão tinham o cuidado da mãe que ela sempre quis.
Logo após sua fala, me lembrei das ilusões que criamos, as que a sociedade e os meios de comunicação criam em torno da maternidade, do que é ser mãe e do tão famoso “Mito da Mãe” que ama incondicionalmente os filhos e está totalmente disponível para eles. Todos os dias em meu trabalho como Coach e Terapeuta Sistêmica Fenomenológica percebo a dificuldade dos filhos de entenderem que se sua mãe é traumatizada, se ela passou por problemas e conflitos que não foram realmente superados e tratados, uma parte dessa mãe não está e talvez nunca estará disponível para ele.
Seguimos com a sessão e em sua biografia, mais especificamente na fecundação e gestação, ela relata que não foi desejada, veio sem planejar e que mais tarde também não foi quista enquanto menina, a mãe preferia ter um menino por ser mais fácil de educar, diz ela se referindo ao que a mãe diz a ela, e por fim e não menos importante, que sua mãe lhe disse que pensou em abortar.
Logo que desabafa essas memórias tão tristes e dolorosas, entra em contato com sua dor e se põe a chorar, a dizer que devia ter vindo quando os pais estavam mais estáveis financeiramente e emocionalmente ou ter vindo como um menino quem sabe seria mais fácil. Se culpa por nascer.
Deixo que sinta suas emoções, que essa dor possam emergir e fluir. Enquanto isso fico pensando nas consequências desses traumas, e sobre o momento em que esta cliente abriu mão de sua identidade, do seu eu para ser a relação com a mãe, aguentando tanto sofrimento e agressões por tantos anos.
E seus relatos continuaram, faço tudo por ela, sou mais mãe dela do que ela é minha. Ajudo a cuidar dos meus irmãos e só escuto reclamações, nada que eu faço está bom. Tenho 60 anos, não me casei, não tive filhos e hoje percebo que fiquei parada neste lugar ao lado da minha mãe, fazendo tudo por ela e ela não me vê, só me agride, me humilha, não sei mais o que fazer, já pensei em morrer, mas depois desisti por não ter coragem de tirar minha própria vida. Mas eu sei que lá no fundo ela me ama, ela age assim porque não teve mãe e nem pai, foi adotada, sofreu abusos na infância, mas eu tenho certeza que ela me ama, do jeito dela, mas me ama não é?
Seguimos com a sessão de Terapia Sistêmica Fenomenológica e a cliente pode ver e entender que sua mãe não estava disponível para ela da forma como desejava e não importa o que ela faça essa mãe não vai conseguir suprir essa imagem interior de uma mãe que ela deseja ter, o “mito da mãe” que faz tudo pelos filhos, que ama incondicionalmente é uma ilusão. Todas as pessoas têm problemas e conflitos que muitas vezes os acompanham desde os primeiros anos de vida, achar que essa mãe a ama incondicionalmente, mesmo tendo uma relação com agressões, isso não é olhar para a realidade tal como ela se apresenta. Neste momento me lembrei de que a gente só dá aquilo que tem e que se a mãe não está disponível para o filho, ele pode estar acessível para si próprio.
Muitas pessoas buscam pela técnica fenomenológica com a esperança de que ela irá salvá-lo, de que fará as pazes com a mãe e tudo ficará bem, de que essa mãe agora que se reconciliou com sua mãe falecida irá me ver e cuidar de mim. Sinto informar que isso é uma ilusão, o trabalho de trauma é passo a passo e quem cria a solução é você. É preciso começar a lidar com a realidade, de que essa mãe tem traumas que precisam ser tratados e que não será em uma sessão mágica que tudo irá se transformar. Você é quem constrói sua solução e se sua avó morreu e sua mãe não vai conseguir superar os conflitos que teve com ela, isso faz parte da história da sua mãe, quando você deixa isso com ela, você cria sua verdadeira autonomia e identidade para começar a olhar para você, para seu futuro e que se cada um se salvar o mundo estará salvo. Nunca é tarde para viver a vida que deseja, mesmo tento 60 anos. Nesta idade uma nova vida se abre é só começar fazer suas mudanças e escolhas saudáveis, é começar a trocar as lentes pela qual você olha para você e para sua realidade.
Foi uma sessão intensa e libertadora. Ver um cliente se conectar com seu eu é extremamente profundo, pude sentir cada fase das suas emoções em meu corpo e estimulo o cliente a sentir suas emoções em seu corpo também, afinal ele é a caixa preta da nossa história, é onde tudo fica registrado. Esta cliente saiu da sessão consciente de que sofreu um trauma de identidade lá na gestação quando sua mãe pensou em abortar-la, se viu indefesa, amedrontada, incapaz e em consequência disso sofreu re-traumatizações no decorrer da vida e hoje sofre o trauma de amor buscando pelo amor da mãe. Também pode vivenciar o momento em que abriu mão de si e que agora é ela quem consola seu coração dentro de si, é ela quem desenvolve a sua auto compaixão por si própria, é ela quem escolhe o que quer viver, que decide se fala sim para os outros ou sim para si, é ela quem cuida e ama seu próprio corpo e sua sexualidade, é ela quem escuta e acolhe seus sentimento e nunca se abandona em detrimento do outro.
E é ela quem deve aceitar e ver sua mãe tal como é, compreendendo que talvez ela também tenha recebido pouco e que somente ela pode assumir a tarefa de ser maternal consigo mesma.
Como eu disse: hoje foi um dia típico de consultório, onde atende filhos, pais e mães com queixas parecidas sobre seus pais. Hoje foi um dia em que recebi uma dessas mensagens repassadas em um grupo de whatsApp que me serviu de inspiração nos atendimentos e para escrever sobre meu dia, sobre como vivo fazendo o melhor trabalho do mundo: auxiliando pessoas a se conectarem a sua verdadeira identidade com autonomia.
Por que nos escolher?
Mais um dia único nos atendimentos do consultório. Quero agradecer a todos pelo incentivo para continuar compartilhando o que experiencio com o meu trabalho de Coach, Orientação Vocacional/Profissional e Terapia Sistêmica Fenomenológica. O último post: Por que minha mãe me odeia? teve uma repercussão muito positiva das pessoas e se você ainda não leu clique aqui .
Hoje atendi dois irmãos, Joãozinho e Pedrinho (nomes fictícios) que vieram para sessão separadamente, mas ambos no mesmo dia. Eles vieram impulsionados pela prima que fez uma sessão comigo e logo depois indicou a mãe deles e ao perceberem algumas mudanças na mãe também buscaram pela sessão.
Pedrinho é o 5° filho de um total de 6 filhos da mãe. Ele chegou disparando duas queixas iniciais: há 4 anos estudo para concurso e não estou tendo o resultado esperado e minha relação com meu irmão, mais velho, é péssima. Desde que ele voltou para casa, minha vida se tornou um inferno. Meu pai morreu quando éramos criança e meu 1° irmão (Joãozinho) entrou nesta função de marido da mamãe e querendo ser o meu pai. Joãozinho nunca gostou de estudar, trabalhava com minha mãe desde a adolescência, quando nosso pai faleceu e hoje vive as custa dela, diz ele indignado com o irmão.
Neste momento pensei nas funções que desempenhamos na família, na cegueira causada pelo estresse emocional e que muitas vezes queremos salvar nossa mãe nos tornando filhos parentais (pais dos pais), brigamos com irmãos por achar que eles são mais vistos e assim ambos ficam presos na mãe, com a expectativa de ajudá-la e de serem vistos e amados como o melhor filho. Quanta ilusão nossa criança ferida cria!
Observo em seu discurso que ele cria essa certeza de que o irmão quer acabar com todo patrimônio da mãe e consequentemente com o dele. E logo penso nas famosas histórias de heranças. E reflito sobre: O que é uma boa herança para um filho? Como os pais devem equilibrar o dar, que algumas vezes pode ser excessivo para os filhos? Como devem estes pais se relacionarem com os filhos para que não causem disputas? E enquanto ele fala finalizo minhas indagações com: Quanta falta faz um pai presente na vida dos filhos? E quais as consequências dessa perda para a família? E termino minhas reflexões com um aprendizado adquirido com o estudo sistêmico fenomenológico: A função dos pais é se tornarem desnecessários e a impressão que tenho é que ninguém sabe disso, nem os pais, nem os filhos.
Ele segue falando: eu gosto de estudar, mas confesso que fiz minha faculdade meio “nas coxas”, tentei empreender, mas sem resultados efetivos assim como meu irmão. E depois disso resolvi estudar para concurso. Neste momento pergunto o que você busca no concurso? E ele responde: eu quero estabilidade e segurança. Neste momento me lembrei de quando eu também já busquei por isso e o perguntei: O que faz você se sentir seguro e estável? Ele fica pensativo e nada ouço. Espero mais um tempinho e pergunto novamente: O que precisa acontecer para que você se sinta seguro? Quando foi a última vez que você se sentiu assim? Ele permanece pensativo. E continuo com as perguntas para auxiliá-lo nas reflexões: E o que você pode fazer hoje, para se sentir assim?
Ele finalmente responde: Eu preciso entender porque não consigo o que quero, percebo que me saboto o tempo todo. Eu defino meus objetivos, estudo, estudo e não saio do lugar. Isso me faz perguntá-lo: E onde você está parado agora? Ele responde: na casa da minha mãe, e quando penso nisso, acho que sempre estive lá, conclui ele. E que função você desempenha na casa da sua mãe? Ele responde: eu a protejo do meu irmão mais velho, eu tento controlar o barco para ele não naufragar. E eu novamente pergunto: Isso é função de filho? Isso está funcionando? ele diz: Não, definitivamente não está. E inevitavelmente pergunto: Se você está controlando o barco da sua mãe, e nem está fazendo sua função, quem é você? E quem controla o seu barco?Ele responde: eu achava que era eu, mas vejo que estou me distraindo com toda essa disputa e preocupação com ela. E eu pergunto: Por que você está se distraindo? E ele com lágrimas nos olhos diz: porque eu não posso ser e ter aquilo que deveria ser e ter até que minha mãe seja o que deveria ser. E eu novamente pergunto: e quem você acha que ela devia ser? Ele volta a ficar pensativo e emotivo. e eu o estimulo a refletir novamente perguntando: E quem você deveria ser e ter?.
Neste momento as emoções o inundam e ele chora de soluçar. E eu deixo e estímulo esse momento dele, para que ele possa sentir a dor de não estar sendo ele e nem fazendo nada por si próprio, de estar ocupando uma função que não é sua por amor incondicional a mãe. E enquanto isso penso em uma citação de Martin Luther King Jr que diz: “Qualquer coisa que afete diretamente alguém afeta a todos e com isso eu nunca posso ser aquilo que deveria ser até que você seja o que deveria ser, e você nunca pode ser aquilo que deveria ser até que eu seja aquilo que deveria ser. Está é a estrutura inter-relacionada da realidade”.
Após deixar as emoções fluírem ele se sente melhor e o corpo que estava rígido e tenso, relaxa e se aquece. Neste momento peço que formule uma frase de intenção para iniciarmos o trabalho fenomenológico. Durante o trabalho várias emoções surgiram e ele pode ver algumas dinâmicas atuando em sua família e em si próprio. Pode ver que ele e o irmão estão inconscientemente preenchendo o vazio da mãe. Que quando ele olha para seus projetos e se direciona para sua vida o irmão mais velho se sacrifica para que ele possa ir, só para a mãe não ficar sozinha com sua dor. E que ao ver essa dinâmica ele desiste de caminhar, de olhar para seus projetos e seu corpo paralisa em uma rigidez total e fica aguardando que o outro irmão também possa ir para vida, e quando o irmão se move, quem fica preenchendo o vazio da mãe é ele.
Então eu o pergunto: Quem está controlando tudo isso? Quem controla quem vai e quem fica?E ele responde: Acho que inconscientemente, minha mãe e percebo que com isso nós dois ficamos presos tentando ajudá-la. Neste momento a dor o invade novamente e ele vê seus projetos o olhando e o aguardando e ele preso no mesmo lugar, assim como o irmão sem conseguir se mover. Sente o seu corpo congelado e rígido, em pânico de deixar a mãe sozinha.
Encerramos a sessão logo após ele sentir estas emoções e poder integrá-las em seu corpo. Neste momento ele me diz que era o que precisava ver e sentir. Que achava que o irmão estava passando a mãe para trás, mas que pode ver o quanto esse irmão foi o “ralo” da família, que ocupou o lugar do pai que morreu e que vê ele substituindo a função de marido da mãe e ele como sendo o pai e a mãe da mãe, como seu protetor, quem a orienta e que sentiu uma dor muito grande, por ver que a mãe não está disponível para ele como ele imaginava. Após sua fala tem um insight de quando o irmão se mudou e ele se tornou o reizinho da casa, o xodozinho da mãe, que na época se sentia especial, sendo visto, mas a que preço? ele se indaga. E que foi importante ver e sentir que ainda está neste lugar, esperando a mãe ficar forte para conseguir ser a mãe que ele queria e que agora ele pode olhar para o irmão com outros olhos, sem essa disputa infantil para ver quem fica colado na mãe e com a ilusão de ser o filho preferido que salvam a mãe.
Neste momento eu o pergunto: Será mesmo que sua mãe é fraca como você acha? Ou isso é apenas uma interpretação sua? Me descreva um exemplo de fraqueza dela e seu? Ele fica mudo tentando lembrar e não consegue. E eu volto a perguntar: Então você poderia me descrever momentos de força dela e seu? E ele começa a falar: Sim ela é muito guerreira e com essa crise tem trabalhado duro para tudo seguir bem para nossa família e para os funcionários da empresa. E eu, estou sempre achando que ela não dá conta e fico achando que tenho que fazer algo por ela. E eu o pergunto: Que mãe é essa que você tem internalizada dentro de você e que você ainda aguarda ser visto por ela? Ele responde pensativo, concluindo que foi ótimo olhar para a realidade das suas relações familiares, para o fato de estar paralisado neste lugar na esperança de ser visto por uma mãe que ele deseja que fosse diferente dá que realmente tem e que agora se sente mais fortalecido para olhar para si próprio e compreende melhor o que está acontecendo com ele.
Finalizamos o atendimento e eu o digo: a oportunidade dança com aqueles que já estão se movimentando no salão e quem escolhe a música que vai dançar é você. Você é o único responsável pelo que vive e pela construção da sua solução. O único que pode mudar tudo é você, só basta decidir e começar a fazer suas escolhas.
Quanto mais eu estudo sobre o trabalho das constelações, mais fica claro para mim que a solução não é construída no trabalho fenomenológico, este não é o objetivo dessa técnica. A verdade é que quem constrói a solução é o cliente, em suas escolhas do dia a dia. Quando me perguntam sobre isso eu pergunto: e onde fica a auto responsabilidade de cada pessoa com seu processo? E como fica o equilíbrio do dar e receber dessa relação terapeuta cliente? Em qual função esse terapeuta se coloca quando quer construir a solução para o cliente?. Deixo aqui estas perguntas para reflexão.
Eu amo o que eu faço!
Essas pessoas têm mudado suas vidas!
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